Com o trabalho remoto, o uso de bossware se tornou uma alternativa para manter a produtividade da equipe e garantir o uso correto dos equipamentos corporativos. Nesse contexto, as empresas têm um desafio: realizar o monitoramento privilegiando a ética e a transparência. Neste artigo, debatemos as implicações do bossware e quais são as melhores práticas.
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Vigilância, monitoramento ou rastreamento: seja qual for o termo mais adequado, os três podem causar uma sensação desagradável aos funcionários.
No entanto, a ação de monitorar as atividades através de bossware –termo pelo qual são conhecidos os sistemas de monitoramento de funcionários– pode servir como uma ferramenta de gestão às empresas quando realizada dentro da legalidade, com ética e cautela.
Isso significa que as empresas devem primeiramente ter uma razão pela qual o monitoramento será feito. Seja para controlar a jornada de trabalho ou impedir o vazamento de dados, é necessário definir qual é a finalidade dessa prática e considerar se a mesma será capaz de trazer os resultados esperados.
Além disso, outro aspecto importante é que o processo seja transparente e os funcionários saibam que estão sendo monitorados e qual será o objetivo dessa prática.
Neste artigo, debatemos o cenário do monitoramento de funcionários, as melhores práticas e outras questões relacionadas ao sistema chamado bossware.
O que é bossware?
Bossware são os sistemas de vigilância corporativa que são executados diretamente no computador usado pelos funcionários. Em uma definicão literal, o termo é a junção da palavra inglesa "boss", que em tradução ao português significa "chefe", com o sufixo da palavra "software"
O uso desse tipo de software está associado à prática de monitoramento de funcionários cujo intuito é rastrear as atividades que o trabalhador realiza durante seu expediente utilizando o computador ou outro dispositivo eletrônico destinado ao uso laboral. Trata-se de uma ação que alinha o avanço tecnológico ao número cada vez mais elevado de colaboradores que trabalham à distância.
Em um estudo publicado pelo Capterra sobre o tópico, pouco mais da metade dos respondentes (55%) relataram que a empresa em que trabalham utiliza algum tipo de ferramenta para monitorar suas atividades, mostrando que esse tipo de tecnologia já possui certa popularidade no Brasil.
A tecnologia de bossware possibilita realizar algumas das seguintes ações de monitoramento:
- Análise de produtividade;
- Controle da frequência laboral e horas extras;
- Acompanhamento do tempo de ociosidade;
- Registro de quais sites o empregado acessou.
Vale destacar que elas também são capazes de reunir dados e gerar relatórios, que podem servir para a tomada de decisões por gestores.
Embora o rastreamento de atividades não seja uma situação exatamente nova, o momento-chave para a ascensão do monitoramento dos funcionários parece ter sido a pandemia, quando muitos profissionais passaram a trabalhar remotamente. O Gartner estima que, desde o início da crise sanitária, a quantidade de grandes empresas usando sistemas para rastrear funcionários duplicou, com expectativas de mais crescimento nos próximos anos (conteúdo em inglês).
O ideal é que, caso a empresa opte por implementar práticas de vigilância, a realize com cautela e dentro de certos limites para que a privacidade dos funcionários seja respeitada; caso contrário, a companhia pode acabar criando um ambiente tóxico em que os colaboradores deixam de confiar na empresa. Por isso a importância de ter atenção aos aspectos legais da questão, que iremos abordar mais adiante.
Quais são os recursos disponíveis em sistemas de bossware?
Entre os sistemas de bossware, diferentes ferramentas podem ser usadas para realizar o monitoramento de funcionários, como software para controle de presenças, ferramentas de gestão de tempo, sistema para rastrear funcionários, entre outros.
Como existem diferentes tipos de tecnologias para o rastreamento das atividades de trabalhadores, cada uma inclui mais ou menos recursos, ou apenas recursos específicos para cumprir uma determinada tarefa. Abaixo estão algumas das funcionalidades que podem ser encontradas nesse tipo de sistemas:
- Captura ou gravação da tela: registra as atividades realizadas na tela do computador do funcionário.
- Controle de tempo: reúne a quantidade de horas e minutos gastos com cada tarefa de um projeto.
- Controle de presença: computa frequência, atrasos, faltas e horas extras.
- Histórico de acesso: permite o rastreamento dos sites acessados ao longo do dia e o tempo gasto neles.
- Classificação de atividades: categoriza sites e aplicativos como "produtivos" e "não produtivos".
- Bloqueio de páginas: impede acesso a sites considerados "proibidos" pela empresa.
Muitos programas oferecem períodos de teste grátis ou demonstração do produto, o que pode ser útil para conhecer a fundo as funcionalidades do sistema antes de partir para sua implementação completa.
Quais fatores motivam o uso de bossware?
Existem várias justificativas para que uma empresa escolha adotar o monitoramento de seus funcionários. Uma das mais comuns é garantir a produtividade dos colaboradores, além de permitir detectar lacunas nos processos de trabalho.
Entretanto, também existe a percepção de que o rastreamento de atividades pode auxiliar na manutenção da segurança corporativa, já que a vigilância assegura que os funcionários não usam o equipamento da empresa de forma indevida.
Dados do mesmo levantamento do Capterra citado na seção anterior ajudam a dar uma visão mais concreta sobre a questão. Os funcionários entrevistados foram questionados por qual motivo a empresa em que trabalham havia implementado ferramentas de vigilância. Mais da metade (56%) indicou que a ação foi tomada para a melhoria de produtividade, mas questões como garantir o cumprimento das horas do expediente (21%), rastrear a rotina de trabalho (11%) e impedir o uso de equipamentos para atividades pessoais (6%) também foram citadas.
Independentemente de qual seja o motivo que leve à prática de vigiar as atividades dos funcionários, é imprescindível que esses sistemas sejam empregados como instrumento de gestão, não como uma ferramenta de intimidação.
Para isso, as empresas devem conhecer os recursos de monitoramento disponíveis nos softwares que estão avaliando e verificar se eles são conciliáveis com os objetivos da empresa. Recomenda-se que diversos profissionais e setores sejam envolvidos nessa estratégia, como RH, compliance e profissionais de segurança de dados.
Monitorar empregados é uma prática legal?
Quando se trata dos aspectos legais de monitoramento de funcionários, o tema desperta muitas dúvidas entre empreendedores e gestores. Isso ocorre, especialmente, porque a lei atual que regulamenta o teletrabalho (Lei 14.442/2022), da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), não aborda diretrizes nem limites para a fiscalização do trabalho à distância, o que abre caminho para que as empresas implementem algum tipo de supervisão.
Segundo especialistas, a fiscalização pode ser feita sempre que se respeite as garantias fundamentais à privacidade e à intimidade.
Vale lembrar que a própria CLT determina que as empresas façam controle de horas dos funcionários que atuam em regime remoto e exercem sua atividade por jornada, o que pode ser realizado por meio de sistemas eletrônicos –tal diretriz já estava vigente antes da inserção sobre o capítulo do teletrabalho feita em 2022, quando foi extendia para empregados atuando no modelo de home office.
Outro ponto a se destacar é que, entre profissionais de direito, há o entendimento com base na CLT de que o monitoramento pode ser realizado como forma de garantir que o patrimônio da empresa, como o computador cedido para a execução do trabalho, está sendo usado de maneira correta e para finalidade laboral. Nesse sentido, o monitoramento evitaria o roubo de dados ou de propriedade intelectual da companhia.
Sendo assim, para que o monitoramento aconteça, as empresas que adotam essa prática devem priorizar a gestão e a execução dos processos, e não o controle direto sobre seus funcionários ou a invasão de sua intimidade. Em outras palavras, o intuito não deve estar em contabilizar os minutos a mais usados para o almoço ou ao atender uma ligação pessoal. Ao invés disso, a empresa pode utilizar o monitoramento para analisar o tempo necessário para a conclusão de diferentes tarefas e desenvolver soluções capazes de otimizar esse tempo e aprimorar a produtividade.
Ainda, é extremamente importante que o monitoramento de funcionários seja feito dentro da legalidade, com ética e transparência. De acordo com especialistas, a prática deve estar descrita no contrato do trabalhador, com explicações claras sobre:
- Quais são as regras;
- A finalidade do monitoramento –controle de jornada, análise de produtividade, etc;
- O objetivo da coleta de dados;
- De que forma o monitoramento das atividades será realizado.
Destaca-se ainda que a vigilância não pode incluir áudio ou vídeo do trabalhador, senão feriria o princípio de privacidade previsto na Constituição Federal.
As empresas também devem se preocupar com a criação de um regulamento interno, que deve ser conhecido pelo funcionário, e garantir que o monitoramento esteja de acordo com as normas da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que abordaremos em seguida.
Falando de LGPD: qual a relação da lei com o monitoramento de funcionários?
Em vigência desde meados de 2020, a LGPD foi criada com o objetivo de proteger os dados pessoais de todos os cidadãos dentro do território nacional. Por essa razão, ela é responsável por estabelecer quais são as regras para coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados, o que impacta diretamente no processo de manipulação de informações realizado pelas empresas. Portanto, sempre que envolva coleta e tratamento de dados, as empresas devem conhecer a fundo a LGPD e garantir o cumprimento das suas normas.
Como o uso de bossware inclui a coleta de informações, especialistas explicam que a ação deve ser sempre informada ao empregado, de forma clara e acessível, juntamente do objetivo da coleta de dados. Além disso, é necessário se assegurar que a empresa está coletando e tratando os dados pessoais de seus funcionários de acordo com o previsto pela lei e sem cometer infrações, como a promoção de práticas discriminatórias ou abusivas.
Especialistas em direito afirmam que a empresa não pode fazer o compartilhamento com terceiros para finalidades distintas do que foi acordado. Além disso, a companhia deve armazenar essa informação apenas pelo período que corresponda ao objetivo da coleta. Ou seja, se os dados são coletados para o controle da jornada, ele deve ser armazenado pela empresa somente dentro do prazo de prescrição para uma demanda judicial. Por exemplo, a prescrição trabalhista é de cinco anos, o que faz com que as empresas devam manter informações do controle de ponto dentro desse período.
Vale lembrar que ao tratar dados pessoais, e especialmente sensíveis, as empresas devem promover a segurança dessas informações através do uso de softwares de cibersegurança, evitando que haja vazamento desse material, o que, segundo a LGPD, abre brecha para sanções.
Dicas para implementar um monitoramento ético
O monitoramento de funcionários é um assunto que causa controvérsia e inevitavelmente possui contornos éticos. Quando não é feito com cautela e transparência pode inclusive levar à formação de um ambiente tóxico.
Helen Poitevin, analista VP do Gartner em práticas de RH, destaca que os empregados podem ter um receio sobre a tecnologia e como ela pode impactar sua reputação ou habilidades, por isso a gestão de mudança organizacional e a comunicação são etapas imprescindíveis para uma implantação bem-sucedida das tecnologias de monitoramento (conteúdo em inglês). Abaixo, reunimos dicas para empresas que querem realizar o monitoramento ético de funcionários.
Definir objetivos
Como debatido, monitorar funcionários por uma simples questão de vigilância não é recomendado. Ao implementar bossware, sua empresa necessita ter um objetivo específico –como produtividade, segurança de dados, entre outros–, que pode inclusive basear a escolha da ferramenta mais adequada para a tarefa de monitoramento.
Avaliar questões legais
LGPD, CLT e Constituição Federal trazem normas que impactam diretamente na atividade de supervisão dos trabalhadores. Para evitar qualquer infração, acione a sua equipe legal e o time de compliance para relatar qual o tipo de rastreamento desejado e garantir que a estratégia é ética e cumpre com a legislação brasileira.
Optar pela transparência
Além da necessidade de esclarecer o monitoramento em contrato, as empresas devem ser transparentes com seus funcionários. Algumas posições, como agentes de atendimento, podem estar sujeitas a mais monitoramento que outros profissionais, por isso é importante informá-los o porquê de tal situação.
Proteger os dados
Outro aspecto importante é assegurar que o acesso aos dados monitorados permaneça restrito a um número limitado de pessoas e também garantir que os mesmos estejam armazenados com máxima segurança.
Comunicar funcionários
Quando o monitoramento se torna uma política adotada na empresa, o funcionário deve saber das regras e entender por que a ação existe. As informações devem ser compartilhadas de maneira clara e direta. O ideal é que seja o gerente direto o responsável pela comunicação –estudo do Gartner mostra que os trabalhadores preferem ouvir essa notícia deles do que de outros profissionais da empresa (conteúdo em inglês).
Conclusão
O monitoramento de funcionários através de bossware é uma prática possível de ser implementada pelas empresas, mas deve ser realizada com atenção e dentro da legalidade. As organizações devem ter uma razão clara para monitorar as atividades dos funcionários e devem informá-los sobre o porquê e sua finalidade, além de garantir a proteção dos dados coletados. Ao seguir essas recomendações, as empresas têm grandes chances de garantir a implementação de um processo ético e transparente.